sábado, 17 de novembro de 2012

Sétimas ao Dubitável e ao Contradizente

I
Há algo neste mundo
Que não podemos ver
Não é reto nem rotundo
Nem podemos esquecer
Aparece num instante
Não vizinho nem distante
E torna a desaparecer
II
É objeto esquisito
Sem objeto ser
É querido e malquisto
Em jornal rádio e TV
Não é belo nem odioso
Inglório nem glorioso
Nem o podemos perceber
III
É sol na noite escura
É lua no alvorecer
Ele é fruta já madura
Num ramo que irá crescer
Não é reto nem iníquo
É instrumento profícuo
Sem instrumento ser
IV
Hipnologogicamente
Ordena sem o poder
Eletromagneticamente
Atrai tornando a perder
É ríspido e delicado
Um rio que corre deitado
É treva ao amanhecer
V
A ruína é sua vitória
Não tem ordem ou saber
Não a pretérito na história
No futuro não há morrer
Nem fértil nem infecundo
Do horizonte é oriundo
Existindo sem viver
VI
Não é grande nem pequeno
Costura sem coser
Não é árido nem ameno
Corre o mundo sem correr
Não tem rosto nem forma
Em tudo se transforma
Sem mudar sem se mover
VII
Que é isto que me dizeis?
Algo que é um não-ser?
Se falais vos contradizeis
A dúvida é vosso escrever
Numa cruzada vos pondes:
Do arvoredo sois as frondes
Ou o silêncio do arborescer?

Autor: César dos Anjos


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sussurros

o que seria

da vida

sem a música 

dos ventos

o que seria

das plantas

dos mares

de nós

seres humanos

o que seria

sem sua poesia

vinda

em uma suave brisa

ou

em uma bruta ventania

domingo, 4 de novembro de 2012

Razão do Ser

Será que está ausente?
ela
minha razão
não
não estou louca
não deu tempo
precipitei-me?
talvez sim
talvez não

E agora?

Sou capaz de pensar agir
tenho felicidade
em pequenos
acontecimentos diários

Estou ciente

Por que algumas pessoas
pensam que estão loucas
se nem ao menos
sabem o que é a loucura?

Enlouqueci?

Não
estou sã
bem sã
ela
está aqui
minha razão
bem aqui
presente
em mim

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O Sonhador - I

O pequeno pássaro sonha... quer cantar;
um canto fluido, latino, latente...
Aguarda dias... semanas... somente
após anos é liberto... que voar!

Ruflem-se as asas... namore-se o ar!
Escolhe a árvore mais atraente.
Em seu cume, pousa suavemente;
de norte a sul, avista o lugar.

Qual seria a amplidão de seu canto?
Que dizer de seus graves? E os agudos?
Alcançaria todo ser? De dia e ao luar?

Mas seus desejos tornam-se pranto.
Notas e dons... modulações... todos mudos.
O dom se foi... A arte partiu. Põe-se a chorar...

[Poema publicado na antologia ECOS DA ALMA, da Editora Andross, São Paulo]

Autor: César dos Anjos

Esperança

a luta de uma vida inteira
uma vida inteira de luto

a cada luta
a cada luto
permanecemos aqui

a luta acabou
acabei o luto

sobrevivemos